Quando se mora em uma cidade pequena é comum que todo mundo se conheça, ou pelo menos boa parte deste mundo. Fazem-se amizades no açougue, no salão de beleza, no mercado e a por aí afora. Comigo, sem querer, arrumei um "grande" amigo, que me trata como se fôssemos conhecidos da maternidade. O engraçado é que eu o vi somente três vezes, em lugares diferentes. E nas três, ele veio pedir alguma coisa. Não só para si, mas também para dois amigos, que nunca aparecem, mas que ele garante que existem.
Nos primeiros dois encontros, na porta de diferentes restaurante, ele se aproximou e pediu um "marmitex", dizendo que estava com muita fome. Não se nega comida a ninguém e prontamente o atendi. Saiu satisfeito com sua quentinha, agradecendo muito e me abençoando.
Nosso terceiro encontro é que foi realmente hilário. Chego na porta do supermercado e ele está do outro lado da rua, diante de um destes carrinhos de juntar papel e outras bugigangas. Tão logo me viu aproximou-se rápido como quem revê um parente querido. Braços abertos e o sorriso de dentes estragados escancarado. "Oi, você por aqui?", pergunta na maior intimidade. Meio sem jeito cumprimento, já me esgueirando para entrar no estabelecimento. Eu só precisava de meia dúzia de laranjas. Nada mais!
Ele colou em mim, já disparando que tinha trabalhado o dia todo, puxando o carrinho pesado, estava com muita fome e pediu um pedaço de carne para fazer o jantar. Concordei em comprar. Pedi que me esperasse ali mesmo, na porta do mercado, que logo retornaria com a carne e as minhas laranjas. Jogo rápido! No entanto, todo alegrinho, ele levantou os braços, cheirou os sovacos, garantiu que estava cheiroso, tinha tomado banho e por isso poderia me acompanhar nas compras.
Entrou feliz da vida ao meu lado, cumprimentando os caixas e quem mais via pela frente. Corri para o açougue, pensando em terminar logo com aquilo. No balcão, ele pediu contrafilé ("escolha os grandes", recomentou à açougueira), um pedaço de pernil e com olhar "pidão" me perguntou se podia levar umas linguicinhas. Disse que não, já estava sendo muito abusado. Ele concordou. Pegou os pacotes e em direção ao caixa lembrou que precisava de sal grosso. Correu buscar. Não dá pra fazer carne sem sal, né? Diante da prateleira com pacotes de café suspirou profundamente, afirmando que há meses não tomava uma cafezinho. Ok, levou um pacote também.
Na fila do caixa, ainda muito falante já comemorava o churrasco que iria fazer. No lugar dele eu também comemoraria! Papo vai papo vem, perguntou da minha família, da saúde e outras baboseiras até se saiu com essa: "olha, tô solteiro e tô na pista. Se você precisar de alguma assistência é só falar comigo". Devo ter feito uma cara de espanto tão grande que imediatamente ele se redimiu, dizendo "brincadeirinha". Desculpou-se várias vezes pelo atrevimento, apanhou suas sacolas com as compra, me pediu a benção e saiu saltitante em direção ao carrinho. Do outro lado da rua ainda gritou: "Não esqueça de mim. Eu sou o Polaquinho carrinheiro ao seu dispor"!
Dali mesmo voltei para casa, rindo muito de tudo aquilo, sem nem me lembrar das laranjas.
Mara...Sempre generosa e com esse sorriso estampado no rosto.