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Foto do escritorMara Cornelsen

A "Megera Domada" num "busão" de Curitiba






Vendo TV tive atenção chamada para uma propaganda lembrando que o nosso maravilhoso Teatro Guaíra completa 140 anos neste 2024. Um filme passou pela minha cabeça em instantes, me reportando a um capítulo da minha vida, que me fez ter uma relação de amor eterno com o Guairão. Um episódio em que fui autora de uma peça de teatro, diretora, coreografa, iluminadora e atriz, tudo junto e misturado. E terminei levando uns belos cascudos da minha mãe!


Conto para vocês. Do alto dos meus 14 anos de idade resolvi escrever uma peça de teatro, em estilo barroco, em três atos, para cumprir uma tarefa dada pela professora Paraguaçu Índia do Brasil Guimarães, que lecionava língua portuguesa no Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins, no Rebouças, em Curitiba, onde nasci e sempre vivi. Não que a professora tivesse pedido uma peça de teatro, mas ela pediu algo na linguagem barroca. E eu, louca por escrever, levei a tarefa muito a sério.


Dei o título de Santa Estela e tasquei um drama em três atos, com inúmeros diálogos, em que a irmã má aterroriza a vida da irmã boazinha e acaba matando-a durante uma briga. Mais três amigas (Dóris, Lana e Regina) faziam parte do elenco e claro, da equipe que tinha que apresentar o trabalho. Tudo escrito a mão, em folhas de caderno, copiadas quatro vezes para que todas tivessem como decorar os textos.


O teatro


Não contente com a petulância de escrever em estilo barroco, a garota aqui teve a feliz ideia de arrumar um figurino condizente com a época, para valorizar ainda mais o trabalho. E é aí que entra o Teatro Guaíra na história.

Contando moedinhas, as quatro estudantes conseguiram dinheiro para o ônibus e numa bela tarde corajosamente chegaram no Guairão, pedindo para falar com o "manda chuva" daquele colossal prédio. Tremiamamos mais que vara verde. Era uma tremenda ousadia e a chance de que não passássemos sequer da portaria era muito grande.


No entanto, o diretor superintendente do teatro na época era o simpaticíssimo Sale Wolokita, ator, apresentador de TV, homem de rádio, dono de uma voz inconfundível e de um sorriso incomparável. Inacreditavelmente (pelo menos para nós quatro) ele aceitou em os receber em seu gabinete.


Ouviu nossa história, tomou conhecimento da minha peça e o pedido final: "será que o senhor empresta pra gente algumas roupas que combinem com a história"? Com muita seriedade ele explicou que as roupas não podiam sair do Guairão, eram parte do acervo e etc e tal... porém, se eu jurasse que devolveria tudo direitinho, sem faltar um botão que fosse, e no dia seguinte ao da apresentação, ele abriria uma exceção e permitiria que levássemos o que precisávamos.


Quase enfartamos de alegria! Uma assistente nos levou até o guarda roupas do teatro e nós nos esbaldamos nas peças que faziam parte do acervo da Megera Domada (escrita por Shakespeare, em 1594) que tinha sido encenada pelo Teatro de Comédia do Paraná em 1964, no Guaíra. Foi um deslumbramento em forte cheiro de naftalina.


Cada uma escolheu o que achava que serviria para a sua personagem e saímos de lá cheias de anquinhas, anáguas, camisas com muitas rendas e ombreiras, e roupas pesadíssimas. Tudo devidamente acondicionado em sacolas plásticas, com mangas saindo pelas laterais, vestidos escapando pelas bordas, e quatro adolescentes suando às bicas para carregar a montoeira de coisas, cheias de alegria.


Para voltar para casa pegávamos o ônibus que fazia a linha Alferes Poli - Nilo Peçanha, com ponto bem em frente a antiga sede da Gazeta do Povo, na Praça Carlos Gomes. Uma pernada do teatro até lá! Só dentro do ônibus, sentadas agarradas às nossa sacolas e que conseguimos comemorar o grande feito. Nos apaixonamos pela bondade do Sale e pela confiança que ele nos depositou. E foi assim que a Megera Domada andou de "busão" por Curitiba.


Os cascudos


E o fim da história? Claro que eu conto. A peça foi um sucesso retumbante no colégio, a ponto de a professora pedir que nós a apresentássemos para as turmas da tarde e também as da noite (estudávamos no turno da manhã). Montamos tudo com muito carinho. Cenários de lençóis, iluminação com velas e lanternas, sonoplastia com toca-discos, que uma coleguinha aumentava e baixava o som no momento certo, e maquiagem pesadíssima, para que o público pudesse perceber. Especialmente a minha, pois fazia o papel da irmã malvada. O texto cheio de mesóclises agradou e a encenação também. Fomos aplaudidas de pé! E fui muito elogiada por ter escrito tudo sozinha. Um luxo! Estava me sentindo a última bolachinha do pacote!


Porém, como alegria de pobre dura pouco, ao fim da apresentação noturna minha mãe foi me buscar. Ela estava furiosa por que tinha um compromisso e eu a estava atrasando. Mal consegui recolher minhas coisas e as roupas da minha personagem quando ela chegou e me pegou com a "cara rebocada" de maquiagem. Foi o quê bastou para que me desse um monte de cascudos e me arrastasse pelas orelhas para o carro, um Brasília "azul calcinha" que fez parte das nossas vidas durante muito anos.


Fui do estrelato à frustração em questão de horas. Senti na pele que "santo de casa não faz milagres!"


Devolvemos tudo para o "seo" Sale, com infinitos agradecimentos. E tiramos nota 10!


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